Os enfermeiros são o maior grupo profissional do Sistema Nacional de Saúde (SNS). Têm um papel essencial na promoção da saúde, prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, na reabilitação, na reinserção das pessoas na sociedade e na sua vida profissional.

Sandra Cunha é enfermeira há 22 anos. Começou a exercer a sua atividade profissional no serviço de ginecologia da Maternidade Bissaya Barreto, onde se manteve até 2018, o ano em que surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o Hospital Pediátrico do CHUC, onde permanece, atualmente, em funções no serviço de urgência.
Para si, ser enfermeira significa “fazer parte daquilo que acontece na vida das pessoas, relacionado com a saúde, e que obriga a que elas tenham que fazer mudanças. Ser enfermeiro é ser um apontador de caminhos… é ser um profissional que tem que ter uma bagagem científica para, no fundo, acomodar aquilo que é a complexidade do ser humano para integrar as recomendações terapêuticas. Mesmo quando a situação é a mesma, os cuidados e projetos que as pessoas têm são sempre diferentes… e a forma como os pais vivem os internamentos dos filhos são sempre diferentes. Portanto, eu tenho que saber como é que eu hei-de pegar nesta área, nesta pessoa, nesta família e neste contexto.”
A enfermagem continua a ser uma área profissional exigente, para a qual é necessário aptidão e sensibilidade no desempenho das funções. De entre os valores fundamentais que definem a profissão, Sandra realça, sobretudo, três: o respeito, a responsabilidade e a empatia, “Nós enfermeiros, temos muitas situações em que tocamos ou estamos presentes em áreas muito sensíveis da vida das pessoas: os nascimentos, os momentos difíceis, as mortes… e, quando eu falo em respeito, é o respeito pelo todo. Respeitar uma pessoa que está connosco numa situação normalmente delicada implica muitos comportamentos. Mesmo que eu esteja num contexto onde tenha imensos estímulos à minha volta, tenho que ter respeito. A responsabilidade é outro valor fundamental. A responsabilidade que é ter vida e vidas sobre a nossa alçada e a responsabilidade de fazer bem porque ao fazer menos bem, eu vou ter um impacto. Fazer bem vai ter impacto e fazer menos bem vai ter, ainda, muito mais impacto. Acrescentaria, ainda, a empatia, na dimensão que eu olho para a outra pessoa, mas eu não posso olhar com os meus óculos. Eu tenho que olhar com os óculos dela.”
Na verdade, o enfermeiro está presente em todo o ciclo de vida, desde o nascimento à morte e, no fervilhar do quotidiano da profissão, a humanização é fundamental para conseguir satisfazer as necessidades das pessoas e, assim, alcançar a elevada satisfação das mesmas. Do contacto que o enfermeiro estabelece com as pessoas que acedem aos cuidados de saúde, surgem laços de confiança e de cumplicidade. A enfermeira Sandra salienta que, “O ser profissional acontece ao mesmo tempo que o nosso crescimento também acontece. A profissão muda-me, no sentido em que me fez pensar e me faz pensar todos os dias que, realmente a saúde e as questões ligadas à saúde são, porventura, aquelas que nos deixam mais fragilizados quando nos faltam.
Aprendo muito com as pessoas que cuido… aprendo a ter mais resiliência com aquilo que eles conseguem fazer e dar a volta e fazer acontecer. A forma como os pais respondem aquilo que lhes está a acontecer é um exemplo. É uma aprendizagem todos os dias. Gosto muito de sentir que fiz a diferença, que fui importante naquele momento para aqueles pais.”
Sandra encara a profissão de enfermagem de modo muito especial, como um “apontador de caminho” e, na sua opinião, “é necessário que o profissional se coloque no lugar da pessoa que tem à sua frente com os óculos dessa mesma pessoa, para que consiga perceber as suas necessidades naquele momento. E nem sempre é fácil. Porque, para mim, seria muito mais confortável «agora nesta situação, é isto que temos que fazer para todos», mas a complexidade humana não torna isto padronizável, e é isto que torna a enfermagem difícil e única”, refere.
A enfermagem é uma das áreas da saúde que lida mais de perto com situações sensíveis da vida do ser humano, não sendo fácil, por vezes, o próprio profissional de saúde distanciar-se emocionalmente em algumas delas. A enfermeira Sandra tem mais de duas décadas dedicadas à profissão de enfermagem e, nas situações em que não é fácil gerir emoções, diz-nos que utiliza o humor para suavizar e ultrapassar esses momentos: “A nossa vida engloba vários papéis e nós, também, temos que ter outros papéis fora daquilo que é o contexto profissional. E, às vezes, até manter este equilíbrio é difícil porque, tendencialmente, podemos estar a ser sugados para a gestão menos saudável das nossas emoções. Com os meus colegas de equipa, nós conseguimos transformar os momentos mais difíceis com a seriedade que eles necessitam, mas, também, com o humor que lhes devemos associar para lhes dar a volta”.

O enfermeiro é um profissional que está, permanentemente, em contacto com pessoas. Na conversa com a enfermeira Sandra, pedimos que nos descrevesse um dia normal de trabalho e a resposta foi imediata: “Um dia normal de trabalho passa por muita coisa. Passa por me inteirar o que é que trouxe estas pessoas ao hospital; o que é que elas pensam sobre o que lhes está a acontecer; qual é o caminho que elas desejam ter; como é que estes pais desejam prestar os cuidados ao serem pais aqui dentro do hospital… implica preparar toda a área técnica que tem a ver com preparar as pessoas (os adolescentes e os pais) para os procedimentos; saber o que eles sabem sobre o que vão fazer; como é que eles podem estar para mais conforto darem ao seu filho; se querem estar; implica avaliar a própria condição física da criança, perceber em que áreas é que eu tenho que fazer monitorização mais intensiva; implica caminhar muito porque a urgência é um espaço muito grande e temos muita movimentação de crianças; implica desenhar o melhor possível o plano de cuidados para cada pai/mãe e cada criança, para que vá ao encontro das necessidades deles. E é imprescindível tornar isto tudo significativo e feito com o máximo de rigor em todas as áreas.”
Para que os profissionais exerçam a sua atividade laboral com maior eficácia são necessárias condições de trabalho favoráveis. Certo é que, raramente, são as condições ideais para o desempenho de funções. Acerca deste aspeto, Sandra afirma “Eu creio que ninguém tem as condições ideais para realizar o trabalho… É tão difícil ser enfermeiro, não só pela complexidade de conhecimento, mas também pela intervenção na vida das pessoas (dos pais e das crianças) … Eu trabalho há 22 anos e só há pouco tempo é que consegui ver um aumento remuneratório. A questão das dotações também é sempre uma área que é muito referida e é verdade que, se há minha responsabilidade tiver menos utentes, à partida, serei mais efetiva, mas isto não é, necessariamente, uma relação de causa-efeito. Em termos estruturais, há lacunas físicas do próprio sítio onde estamos. Seria ótimo termos mais espaço para trabalharmos com os pais e com as crianças. Obviamente que a questão dos rácios é sempre uma questão que impacta diretamente nos cuidados de saúde, sempre. Só queria deixar a tónica que, para prestar melhores cuidados não basta aumentar o número de profissionais. Devemos, em conjunto, estar focados em fazer melhor.”
Quanto à representação desta profissão nos media, ela é, ainda, escassa, o que pode contribuir para que nem sempre o trabalho do enfermeiro tenha visibilidade na sociedade. Neste contexto surge uma pergunta inevitável: Será o papel do enfermeiro reconhecido pela sociedade? Na perspetiva de Sandra, a visibilidade não é, inevitavelmente, o impacto noticioso, ou seja, o ruído e o fazer barulho…, “Não é necessariamente isso que nos dá visibilidade. Mostrar o que é que nós fazemos, o que estamos a fazer com o doente e com a família, isso é a visibilidade máxima, para as famílias e para os cidadãos. Quando uma das minhas crianças tem alta e os seus pais vêm agradecer, nós sentimos que fizemos a diferença com aquela família. Comentarem com um familiar que são bem atendidos, que respondemos aquilo que eles estavam a precisar… isto para mim é que é a visibilidade dos cuidados de enfermagem”.
Outro aspeto que importa refletir prende-se com o ensino superior de enfermagem. Todos os anos milhares de estudantes terminam o ensino superior no curso de enfermagem. A verdade é que, quando alguns se deparam com a realidade profissional, deixam de ter perspetivas futuras tão positivas, como as que idealizavam até então. Dessa forma, aos jovens que estão a iniciar o seu percurso profissional na área da enfermagem, a enfermeira Sandra deixa uma mensagem: “É uma profissão que tem múltiplos contextos, muitas áreas onde se pode trabalhar, muitas áreas onde se pode fazer caminho com as pessoas e isso é muito bom. Nós, os enfermeiros, fazemos muita diferença na vida das pessoas se quisermos e se formos vinculados e focados naquilo que é o nosso contributo e dizer-lhes que isto é um privilégio, também. Eu sou muito anti o discurso de «Não venhas para enfermagem». Devemos tentar fazer sempre o melhor que conseguirmos. Obviamente que haverá uma série de condicionantes que são menos boas, mas dizer que, se realmente querem enveredar por esta área, força!”.
Quanto ao futuro da enfermagem, Sandra olha com apreensão, como nos explica: “Dada a multiplicidade de profissionais da área da saúde que trabalham as questões da saúde e da doença, os enfermeiros têm que pensar, efetivamente, qual é que é o seu contributo aqui neste puzzle todo, sob pena de ficarmos vazios e muito agarrados a questões tecnicistas. Qual é, realmente, o nosso contributo para a saúde destas pessoas? Vão surgindo novas carreiras, novas profissões… Às vezes em áreas muito mais pequeninas, múltiplas áreas… O que queremos continuar a fazer, enquanto enfermeiros?” Normalmente, quando temos que desenvolver uma técnica nova, quase toda a gente quer aprender, quer fazer e quer ser o primeiro a tentar, mas quando entramos ao serviço e somos confrontados com a realidade e a ter que fazer a gestão das más notícias ou mesmo, até a morte, ninguém quer ficar. E eu creio que nós temos que nos apropriar mais deste tipo de transições pra sabermos como é que podemos ser mais efetivos, sem evitamentos, porque tudo isto é muito importante para as pessoas.”.